O sintagma “Ruínas Circulares” que dá nome ao Festival é tomado do título de um conto de Jorge Luis Borges (1899-1986). Inspiração emblemática! Borges, autor de obras magistrais, faz uso da metáfora, da alusão, da “mistura do fantástico e do metafísico”, como estratégia para procurar “a realidade mais profunda que a realista”, segundo formulação de Bella Jozef. Sua concepção de “labirintos, espelhos, representa a multiplicidade de caminhos” que são propostos [a todo instante] ao homem”. No prólogo da obra Ficciones, Borges é sucinto: “En Las ruinas circulares todo es irreal”. Mas trata-se de irrealidade criada a partir de vivências substanciais como é possível entrever em seus últimos parágrafos, quando emerge uma questão recorrente em sua obra: a questão da percepção do Ser.
No conto, um místico, bruxo, sonha que está criando um outro ser. E vai formando-o órgão por órgão. Porém, por obra de um evento inesperado, “el hombre taciturno” compreende com terror, que ele também “era uma aparência, que outro homem o estava sonhando”. Revelação. A obra de Borges faz-nos sentir que está abrindo as portas do mundo: sonhamos ou somos sonhados?
Quem somos nós povos sofridos, mas apaixonados, habitantes de terras cruéis, mas férteis, situadas abaixo da linha do equador? Quem somos nós latino-americanos?
Quem somos nós habitantes do cerrado mineiro? E afinal, quem somos nós, assim, sem ligação geográfica, perdidos na imensidão do espaço cósmico? Sob o signo de contumáz contradição, a América Latina surgiu como produto da expansão, exploração e colonização ocidental. Esse traço aparece de forma estrutural em muitas de suas obras simbólicas, do passado e do presente, articulando de forma inventiva o nacional e o universal. Com relação à arte do teatro, a tradição moderna do teatro latino-americano legou-nos um repertório memorável de obras primas que conseguiram dar respostas estéticas aos problemas do seu tempo. Referimo-nos aqui ao legado de grupos tais como El Galpón (Uruguai), La Candelária e TEC (Colômbia), Escambray (Cuba) para ficar nestes.
Nesse sentido, o objetivo do Festival é apresentar um pequeno panorama da produção teatral latino-americana contemporânea. Mostrar de que modo atualmente esse teatro é capaz de formalizar esteticamente os problemas dados do nosso tempo, sem perder a ligação com suas contradições originárias, que estão na base da configuração de uma idéia de ser latino-americano.
É no fundo um voltar-se para si mesmo num gesto desesperado de tentar se compreender em meio à incompreensibilidade de um mundo dito globalizado, desencantado e turvo.
A Universidade Federal de Uberlândia, por meio da PROEX-Dicult, e junto com o Curso de Teatro, sentem muito orgulho de poder oferecer à comunidade interna da UFU, em especial aos estudantes do Curso de Teatro, e à população da cidade de Uberlândia e região, um acontecimento do porte do Primeiro Festival Latino-Americano de Teatro: Ruínas Circulares.
Com essa iniciativa, esperamos estimular o debate e a reflexão sobre a arte, o teatro e sua relação com a comunidade, impulsionar a atividade e a produção teatral local, bem como a elevação de sua qualidade estética, contribuindo também para lançar Uberlândia no circuito cultural nacional e internacional. O formato, nesta primeira edição do Festival, é ainda pequeno com apenas sete companhias teatrais: três grupos da América Latina – Equador, Argentina e Cuba; e quatro do Brasil (um de São Paulo, um do Rio de Janeiro, dois de Uberlândia).
Haverá atividades pelas manhãs, tardes e noites. Serão duas oficinas teatrais e cinco mesas redondas, com cerca de 14 palestrantes, discutindo o percurso do teatro latino-americano e suas tendências contemporâneas. Serão nove apresentações teatrais em Uberlândia e Araguari.Trata-se, afinal, de uma aposta na existência de uma demanda reprimida na cidade por bens culturais de maior labor estético. Aproveitem! A semana de teatro está só começando!
Yaska Antunes
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