As Noites Performáticas


 As “Noites performáticas” do Veredas cumpriram uma dupla função dentro do Festival Ruínas Circulares. Primeiro, a de ponto de encontro, que ninguém é de ferro e depois de passar o dia vendo teatro, fazendo oficina de teatro e conversando sobre teatro, é hora de outro tipo de diversão. Segundo, a de expor um segmento da produção dos artistas de Uberlândia, aqueles que pretendem fugir dos espaços e formatos convencionais. Corolário dessa segunda função é que o projeto permite vislumbrar o que esse segmento de artistas entende, neste momento e neste lugar, como performance – conceito ainda nebuloso em grande parte dos discursos sobre a cena contemporânea.
       Numa primeira leitura, é possível separar os trabalhos que se apresentaram nas “Noites performáticas” em duas grandes categorias. A primeira é formada por obras que, na essência, constituem leituras de possibilidades da dança em espaços não convencionais. O pensamento é coreográfico, a linguagem é da dança, mesmo quando incorpora elementos como o vídeo, objetos ou espaços onde trivialmente não encontramos dança. O nome “performance”, aqui, não fala do que são as obras, mas de seu desejo de serem algo contemporâneo, de sua pretensão a fugir de padrões.
       As criações da segunda categoria podem ser consideradas performances em sentido mais estrito. Buscam linguagem própria, mesmo quando se apropriam de linguagens da dança, do teatro, da imagem. Em comum, têm o compromisso com o estranhamento dos espectadores através de estratégias de ressignificação. É o vídeo que altera a ideia que fazemos do corpo da performer e o corpo da performer que altera a ideia que fazemos da imagem mostrada no vídeo. É o corpo que parece ter algo fora do lugar, e no estranhamento que provoca, leva-nos a repensar corpo, cabelo, membros, nudez, lugar. É a bailarina que conhecemos em outros trajes, lidando com objetos a que atribuímos outros significados, que aqui ganham sua verdadeira dimensão social, econômica, política, fora do jogo de ilusões onde geralmente estaríamos inseridos na relação com eles. É a intérprete que, lidando de maneira incomum com um espaço que julgávamos conhecer, mostra-nos, ao mesmo tempo, nosso desconhecimento a respeito dele, e a poesia que ficava oculta por trás desta ignorância. Em última instância, a performance se situa no próprio deslocamento do significado, e não em volta dele como nas formas tradicionais de expressar.

Marcello Castilho Avellar

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