Eldorado

       A personagem de Eldorado nos informa que tenta encontrar a terra mítica que dá nome ao espetáculo. Mentira. O que ele busca é a própria busca. Sabemos que se porventura chegasse onde afirma querer chegar, sua vida acabaria. O tema do espetáculo dirigido por Marcelo Lazzaratto e interpretado por Eduardo Okamoto pode não ser novo. A maneira como se organiza num monólogo, contudo, e as direções para onde sinaliza, valem a apresentação.

       Não importa onde nosso herói esteja, é como se ele voltasse sempre ao mesmo lugar. Como se a busca fosse, ela própria, um lugar. A circularidade está na estrutura e no uso do espaço. Lembra-nos uma das poucas pistas que Samuel Beckett nos deu sobre os enigmas de Esperando Godot, que escrevera a peça em dois atos porque se fosse apenas um, não veríamos que o segundo era igual ao primeiro, se fossem três, o último seria supérfluo, porque igual aos dois anteriores.
       A circularidade está na próprias unidades de movimento e voz com que Okamoto desenvolve a trajetória (ou não-trajetória) de sua personagem. Enquanto finge que nos conta outras histórias e apresenta novas ideias, ele repassa e recombina gestos e sons. Eldorado é daqueles espetáculos que se organizam como caleidoscópios. Se formos prestar atenção, sua performance é organizada a partir de uma diversidade relativamente pequena de elementos, quase como se nos propusesse um pequeno léxico cênico. Seu trabalho é construir frases com esse léxico, combinando as “palavras”.
       É a combinação que é maravilhosa, por uma série de razões. Primeiro, a elegância com que nunca é forçada – o jogo flui como se nem fosse uma construção, ou como se fosse construção tão espontânea que nunca evidencia sua artificialidade. E qualquer um que trabalha com arte sabe quão complexa é qualquer construção que aparenta espontaneidade. Segundo, a expressividade. Aquelas poucas células parecem aptas a expressar praticamente tudo o que intérprete pretende – temos, então, uma linguagem cênica que assemelha-se à fala pela facilidade com que se organiza em sintaxe própria e, ao fazê-lo, acrescenta sentidos ao que cada unidade do léxico proposto pelo espetáculo diz por si mesma.
       Essa proposta, em si, não é novidade. O próprio Ruínas Circulares apresentou obra magnífica construída a partir da mesma lógica, a Antígona, do peruano Yuyachkani. A própria presença destes dois espetáculos (e da parada do Lume, uma das nítidas inspirações de Eduardo Okamoto e Marcelo Lazzaratto em Eldorado) nos mostra a variedade de resultados que essa estratégia de construção pode atingir. Na Antígona, por exemplo, tínhamos uma intenção nitidamente política e narrativa. Eldorado propõe outra direção: um debate intenso sobre a própria condição transitória do ser humano e os mitos que construímos para nós mesmos sobre esta condição – ou para pensar que não estamos determinados por ela.


Marcello Castilho Avellar

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