A batalha pelo espaço


       Uns poucos de nós criamos espetáculos nos locais onde serão apresentados. A maioria cria dentro de salas de ensaio dos mais variados tamanhos e formatos, sendo obrigada, então, a pensar o espaço de apresentação como algo abstrato – e a adequar a criação aos espaços concretos quando o espetáculo estiver sendo exibido. A mesma coisa ocorre quanto espetáculos viajam – ou seja, mesmo se foram construídos em seu espaço natural de representação, são retirados dele para alcançar maiores públicos. O resultado desse conflito é que geralmente nossas apresentações cênicas não exploram todo o potencial daquilo que criamos. E festivais como o Ruínas Circulares acabam sendo exemplares neste sentido.
       Se houve um senão na apresentação de Fragmentos de libertad, por exemplo, foi sua concessão ao Teatro Rondon Pacheco. Salta aos olhos que o elenco não queria um palco italiano, o espetáculo praticamente implorava por uma passarela verdadeira, com platéias equivalentes dos dois lados, mesmo que montada provisoriamente em algum espaço alternativo. Calle!, por sua vez, organizou-se numa semiarena, ou “esporão” – palco quase cercado pela plateia, mas com fugas no fundo. Só que, ao contrário do que ocorre num espaço construído para ser uma semiarena, a improvisação do esporão no Rondon Pacheco resultou em má visibilidade para os espectadores que ocupavam as platéias laterais (improvisadas no palco do teatro). E o elenco ainda precisa aprender muito até conseguir resistir à tentação de virar o máximo possível do espetácuo para frente – algo que só é possível numa tradicional relação à italiana.
       Em compensação, há experiências tão adequadas na maneira como articulam o espaço cênico que chegam a provocar a curiosidade em ver como ficariam se submetidas a outras relações. A Antígona do grupo peruano Yuyachkani é bom exemplo disso. A atriz Teresa Ralli domina tão bem o palco que é fácil acreditar que ela dominaria o espaço mesmo em outras dimensões, formatos ou relações. Podemos imaginar, por exemplo, uma apresentação de Antígona em espaço aberto, como uma praça. Perderíamos no visual, claro. Mas como a atriz concentra em seu trabalho até mesmo a atmosfera do espetáculo, é provável que ele sobrevivesse em sua essência. E em compensação à perda, teríamos o estranhamento que a obra, tanto em sua força política quanto na ousadia formal, poderia produzir em pessoas comuns, que usualmente não estão nas platéias dos teatros. Não seria uma troca justa?
       A ironia da história é que Uberlândia costuma dar passos adiante nessa questão do espaço para, logo depois, dar passos atrás. Há anos, um festival de dança aceitou projetos em qualquer espaço e realizou suas principais apresentações em praça pública; na temporada seguinte, retornou a um formato mais convencional, centralizado num ginásio e com apenas uns poucos programas em locais alternativos. O Ruínas Circulares vive essa curiosa contradição: programa espetáculos ousados, como realidade (Fragmentos de libertad) ou uso potencial de outros espaços (Antígona), e os reduz à tradição.

Marcello Castilho Avellar

Um comentário:

  1. muito acertada a colocação, e reforço o comentário,..munto´tímima atrevo a filosofar....A ALMA DA GENTE ´E UM FIO DE AÇO QUE A VIDA VAI ESTICANDO ATÉ AREBENTAR.Minha alma é agora como arame de funãbulo, no picadeiro do cotiano dizendo-me coisas de rir e chorar nesta paixão pela arte de representar(Interpretar) ....somos todos atores neste palco da vida, o ESPAÇO ..é a alma.

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