Estrada a percorrer



       Duas razões fazem de Calle!, da Trupe de Truões (Uberlândia, MG) um espetáculo inferior aos outros que já se apresentaram no Ruinas Circulares. Ambas se referem à maturidade – do espetáculo e do grupo. O espetáculo acaba de estrear, ou seja, teve pouco tempo para ser testado e ajustado no único teste realmente válido para uma obra cênica – o contato com o público. O grupo já tem algum tempo de estrada e pelo menos um espetáculo singular, o infantil Simbá, o marujo ¬– mas a simples comparação entre as duas obras nos mostra que a companhia ainda não conseguiu afirmar um caminho, uma técnica, uma estética própria. Falta-lhe aquele salto que transforma um grupo quase anônimo entre muitos numa marca consolidada, com espaço próprio no imaginário e no mercado de teatro.
       Felizmente, o material para este salto pode estar sendo construído pelo grupo. Calle! pode ser espetáculo imperfeito, mas tem momentos que legitimam sua existência. Seu elemento mais forte é a liberdade com que edita as situações que nos propõe. Não se trata apenas de um conjunto de variações em torno de determinado tema, como ocorre na maioria das vezes em que se escolhe um assunto para “desenvolver” no palco. O que nos interessa em Calle! é o jogo, o ir e voltar, o parar pra brincar no meio de tudo. É isso, talvez – que já podia ser sentido em Sinbá – que aponta um caminho, mostra que a Trupe de Truões pode estar prestes a encontrar algo que é só dela.
       É caminho longo. Edição complexa como o jogo que o grupo propõe só faz sentido se muito bem calibrada (daí a necessidade de amadurecer na relação com o público). Calle! ainda não chegou a este ponto. Às vezes fica em dúvida se o espectador captou completamente a brincadeira e insiste nela, em nítido contraste com as passagens em que o jogo parece fluir com liberdade. Propõe humor com gosto amargo, mas fica com um pé atrás quanto a possibilidade disso ser incômodo demais para o espectador. Conta com o elemento mais essencial para conseguir percorrer a estrada: o elenco parece acreditar naquele jogo, gosta dele e transmite este prazer aos espectadores. Não é o suficiente para construir um espetáculo inesquecível; mas é de onde boa parte dos espetáculos inesquecíveis começaram.


Marcello Castilho Avellar

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