VÁ AO TEATRO E ME CHAME...OU CALLE! (Por Robisson Sete)

Calle
 foto : Trupe de Truões
Festival Latino Americano de Teatro Ruínas Circulares se instaurou na cidade de Uberlândia desde o último sábado. Trazendo uma programação com excelentes grupos nacionais e estrangeiros, de países como Chile, Peru, Colômbia e Espanha, além de palestras e mesas redondas. O Ruínas afina o discussão sobre a atualidade da arte dramática para além dos horizontes locais e do debate nacional. Experimentar é a ordem, acima de tudo quando se fala de Teatro, onde a devida construção da obra, da montagem, se dá justamente na experiência direta com o público.

Ontem assisti a peça CALLE!  da Trupe de Truões, grupo local que tem 8 anos de estrada, montagens e festivais nas costas. A peça gira em torno de memórias e experiências da francesa Maria, dessa forma todos os atores interpretam seus personagens como se fossem alteregos desta Maria, que é real e esta viva, e de suas próprias relações, medos, (des)amores e desejos.

Se a arte é comunicação acima de tudo, o discurso construído pelo grupo, te pega de cheio. Como não se identificar com os personagens em situações onde meros telefonemas são aguardados como cartas de alforria dentro de uma noite de amargura, ou das amigas que querem te levar para a farra depois duma separação dolorosa. A peça versa predominantemente sobre reviravoltas, sobre dar a volta por cima e enxergar nossos próprios ridículos. Certo momento uma frase do poeta Fernando Pessoa é dita em tom tragicômico por um do personagem, “Todas as cartas de amor são ridículas, se não fossem ridículos não seriam cartas de amor.” Feito isso podemos perceber o fio da meada de Calle! e o que talvez seja a proposta do texto, compreender que o ser humano de forma geral leva a serio demais a si mesmo em situações e coisas que são simples, mas que ao final se tornam imensas e brutais pra quem as vive. Sai de mim, sai da minha carne” diz uma personagem noutra cena. Suplica ela, nua e louca, que desapareça de seu corpo esse amor que não lhe compõe mais, esse veneno que arde na carne e salta aos olhos. Calle! vale a pena ser visto, e revisto. Um espetáculo tragicômico, que te propicia muitas risadas. Risos, talvez, sobre você mesmo e como somos extremamente ridículos em nossos mínimos universos.

Peça findada, saí do Teatro Rondon e fui caminhar pela cidade, beber um gole no Bar da Tia Raquel. Havia agora as Noites Performáticas a se iniciarem noEspaço Veredas, com discotecagem da Luiza Guedes e vista pra o céu nublado da cidade de Uberlândia. Na rua, lembrei dum poema que escrevi a um tempo falando sobre o cerrado...
O cerrado é errado?
E o deserto, entao?
De certo é certo?

Me veio à mente o que pensam os chilenos, os atores do grupo que participa do Ruínas, sobre nosso ecossistema, ao se defrontarem aqui com tantas árvores tortas e de cascas grossas e secas.
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foto : Livia Moura
Veredas comportou perfeitamente as Noites Performáticas e suas intervenções, obrigando o público a seguir os atores em suas andanças pelas salas do lugar, causando assim uma apropriação particular dos presentes sobre os espetáculos.

Carolina Tannús e Jhonatan Rios tomaram conta das escadarias do Veredas com sua “Investigação em Processo” e fechando a noite, Priscilla Bello e, novamente, Jhonatan Rios apresentaram o impactante “Objetos Sólidos”. Utilizando uma lâmpada como objeto cênico, o casal de beleza impar, lida em sua performance, justamente com algo tão insólito e intocável, como a luz. Maravilhosa contradição.

Pensar o Teatro e suas apropriações, é hoje a missão dos atores, dramaturgos, teatrólogos e companhias. E pensar a arte dramática em Uberlândia, onde atualmente vivemos uma trágica situação de demolição do histórico Teatro Grande Othelo é incumbência primordial a quem vive, ama e se arrepia com o poder dos palcos.
Ironia suprema.
Lembremos que se o Festival se chama Ruínas, talvez possa ser esse o destino de mais um espaço cultural da cidade. Se isso acontecer, saberemos que cada um de nós tem sua parcela de culpa ao não se levantar da cadeira e ir de encontro à coxia do debate público. Pois se nosso prometido Teatro Municipal, na Avenida Rondon Pacheco, vive em eternas e infindadas obras, e o Grande Othelo está a mercê do descaso do poder público, celebremos oFestival, estas sim promissoras, Ruínas Circulares. Os escombros da noite de ontem ainda caem, prazerosamente, em minha alma.

Portanto, vá ao Teatro, e me chame!!!
 Luz
foto : Livia Moura

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