As Noites Performáticas


 As “Noites performáticas” do Veredas cumpriram uma dupla função dentro do Festival Ruínas Circulares. Primeiro, a de ponto de encontro, que ninguém é de ferro e depois de passar o dia vendo teatro, fazendo oficina de teatro e conversando sobre teatro, é hora de outro tipo de diversão. Segundo, a de expor um segmento da produção dos artistas de Uberlândia, aqueles que pretendem fugir dos espaços e formatos convencionais. Corolário dessa segunda função é que o projeto permite vislumbrar o que esse segmento de artistas entende, neste momento e neste lugar, como performance – conceito ainda nebuloso em grande parte dos discursos sobre a cena contemporânea.
       Numa primeira leitura, é possível separar os trabalhos que se apresentaram nas “Noites performáticas” em duas grandes categorias. A primeira é formada por obras que, na essência, constituem leituras de possibilidades da dança em espaços não convencionais. O pensamento é coreográfico, a linguagem é da dança, mesmo quando incorpora elementos como o vídeo, objetos ou espaços onde trivialmente não encontramos dança. O nome “performance”, aqui, não fala do que são as obras, mas de seu desejo de serem algo contemporâneo, de sua pretensão a fugir de padrões.
       As criações da segunda categoria podem ser consideradas performances em sentido mais estrito. Buscam linguagem própria, mesmo quando se apropriam de linguagens da dança, do teatro, da imagem. Em comum, têm o compromisso com o estranhamento dos espectadores através de estratégias de ressignificação. É o vídeo que altera a ideia que fazemos do corpo da performer e o corpo da performer que altera a ideia que fazemos da imagem mostrada no vídeo. É o corpo que parece ter algo fora do lugar, e no estranhamento que provoca, leva-nos a repensar corpo, cabelo, membros, nudez, lugar. É a bailarina que conhecemos em outros trajes, lidando com objetos a que atribuímos outros significados, que aqui ganham sua verdadeira dimensão social, econômica, política, fora do jogo de ilusões onde geralmente estaríamos inseridos na relação com eles. É a intérprete que, lidando de maneira incomum com um espaço que julgávamos conhecer, mostra-nos, ao mesmo tempo, nosso desconhecimento a respeito dele, e a poesia que ficava oculta por trás desta ignorância. Em última instância, a performance se situa no próprio deslocamento do significado, e não em volta dele como nas formas tradicionais de expressar.

Marcello Castilho Avellar

Medusa

 
Numa conversa no domingo, alguém criticou o último espetáculo apresentado no Festival Ruínas Circulares, Medusa da companhia chilena La Trompeta, por insistir no tema da ditadura. Numa fala condescendente, mencionou que é compreensível uma obra como aquela, já que os chilenos ainda não teriam superado seus anos sob o autoritarismo. Lembrei-me de conversa semelhante, anos atrás, a respeito de espetáculo que o coreógrafo Luiz de Abreu montava em Salvador. A queixa, então, era que lá vinha Luiz de novo insistir no tema do racismo dos baianos. Ora, a Bahia, com sua importante população negra, continua escrevendo algumas das páginas mais terríveis do racismo no Brasil; e quem não superou os traumas da ditadura fomos nós – basta ver o desconforto que surge cada vez que se debate os limites da lei da anistia ou se fala na abertura de informações sigilosas. Na verdade, o desconforto com a encenação das duas questões estaria no espaço oposto: gostaríamos que não fossem debatidas porque nos incomodam, desagradam, lembram-nos de nossa incompetência na solução delas.
       Em Medusa, três mulheres vivem trancadas dentro de um apartamento. Desejam sair, mas sabem que se o fizerem sem proteção, serão mortas por causa do trabalho que realizam: entregar pessoas a um misterioso órgão de segurança. É metáfora das boas: não importa de que lado você esteja, a vida é terrível se do lado de fora existe alguém que acumula poder em excesso.
       De todos os espetáculos apresentados no Ruínas Circulares, Medusa pode ser considerado o mais convencional. Para sua apreensão, a compreensão do texto é tão importante quanto a de qualquer nuance no corpo ou na voz das personagens – mesmo operada precariamente, a apresentação de legendas foi decisão sábia. Essencialmente, tivemos diante de nós um gabinete com pretensões a síntese realista, personagens realistas se apresentando diante de nós numa relação completamente frontal, ações encadeadas em simulacros de causa-e-efeito. Tem força principalmente pela intensidade de seu trio de atrizes, a maneira como se jogam com bravura, fisicamente e emocionalmente, umas contra as outras, como conduzem suas personagens rumo a alianças e confrontos. A metáfora de Medusa não está apenas no texto, mas na maneira como o elenco define o espetáculo.

Marcello Castilho Avellar

Leituras, dramáticas?


No último dia 30 começou, em Uberlândia o Festival Ruínas Circulares, e para abrir a primeira noite do evento tivemos uma leitura dramática. Nessa noite tivemos duas leituras, a primeira feita por Narciso Telles de um texto retirado do livro “Zona periférica: o teatro de Daniel Veronese”, e a segunda por José Benedito de Almeida Junior com um texto de autoria própria. O que mais me chama atenção em leituras dramáticas é que a forma como elas são feitas pode ser muito livre, pode cada leitor/ator sentar e ler seu personagem, uma pessoa ter vários personagens e ler sozinha, apensas rubricas, ou apenas falas, enfim. Sendo uma leitura e sendo dramatizada “ta valendo”.

O trabalho do José Benedito me chamou bastante atenção, ele fez uma leitura de um texto escrito por ele mesmo, e lendo o texto estavam mulher, filhos e amigo. Um trabalho muito bem escrito e vale apena ser lido e encenado, acredito ser meio longo para uma leitura dramática, porém vi que foi uma ótima forma encontrada por Benedito para divulgar seu trabalho, afinal ele é professor do curso de filosofia da UFU e muitos artistas e simpatizantes de arte não sabem que coisas legais acontecem fora do meio de criação profissional.

Em conversa com o escritor, descobri que a vontade de fazer e escrever teatro vem de muito antes, antes mesmo de optar pela filosofia, disse inclusive que ainda tem vontade de estudar teatro profissionalmente.

E assim foi iniciado o III Festival Ruínas Circulares, com muitos estudos, pois só assim temos arte de qualidade.

VÁ AO TEATRO E ME CHAME...OU CALLE! (Por Robisson Sete)

Calle
 foto : Trupe de Truões
Festival Latino Americano de Teatro Ruínas Circulares se instaurou na cidade de Uberlândia desde o último sábado. Trazendo uma programação com excelentes grupos nacionais e estrangeiros, de países como Chile, Peru, Colômbia e Espanha, além de palestras e mesas redondas. O Ruínas afina o discussão sobre a atualidade da arte dramática para além dos horizontes locais e do debate nacional. Experimentar é a ordem, acima de tudo quando se fala de Teatro, onde a devida construção da obra, da montagem, se dá justamente na experiência direta com o público.

Ontem assisti a peça CALLE!  da Trupe de Truões, grupo local que tem 8 anos de estrada, montagens e festivais nas costas. A peça gira em torno de memórias e experiências da francesa Maria, dessa forma todos os atores interpretam seus personagens como se fossem alteregos desta Maria, que é real e esta viva, e de suas próprias relações, medos, (des)amores e desejos.

Se a arte é comunicação acima de tudo, o discurso construído pelo grupo, te pega de cheio. Como não se identificar com os personagens em situações onde meros telefonemas são aguardados como cartas de alforria dentro de uma noite de amargura, ou das amigas que querem te levar para a farra depois duma separação dolorosa. A peça versa predominantemente sobre reviravoltas, sobre dar a volta por cima e enxergar nossos próprios ridículos. Certo momento uma frase do poeta Fernando Pessoa é dita em tom tragicômico por um do personagem, “Todas as cartas de amor são ridículas, se não fossem ridículos não seriam cartas de amor.” Feito isso podemos perceber o fio da meada de Calle! e o que talvez seja a proposta do texto, compreender que o ser humano de forma geral leva a serio demais a si mesmo em situações e coisas que são simples, mas que ao final se tornam imensas e brutais pra quem as vive. Sai de mim, sai da minha carne” diz uma personagem noutra cena. Suplica ela, nua e louca, que desapareça de seu corpo esse amor que não lhe compõe mais, esse veneno que arde na carne e salta aos olhos. Calle! vale a pena ser visto, e revisto. Um espetáculo tragicômico, que te propicia muitas risadas. Risos, talvez, sobre você mesmo e como somos extremamente ridículos em nossos mínimos universos.

Peça findada, saí do Teatro Rondon e fui caminhar pela cidade, beber um gole no Bar da Tia Raquel. Havia agora as Noites Performáticas a se iniciarem noEspaço Veredas, com discotecagem da Luiza Guedes e vista pra o céu nublado da cidade de Uberlândia. Na rua, lembrei dum poema que escrevi a um tempo falando sobre o cerrado...
O cerrado é errado?
E o deserto, entao?
De certo é certo?

Me veio à mente o que pensam os chilenos, os atores do grupo que participa do Ruínas, sobre nosso ecossistema, ao se defrontarem aqui com tantas árvores tortas e de cascas grossas e secas.
 Luz_3
foto : Livia Moura
Veredas comportou perfeitamente as Noites Performáticas e suas intervenções, obrigando o público a seguir os atores em suas andanças pelas salas do lugar, causando assim uma apropriação particular dos presentes sobre os espetáculos.

Carolina Tannús e Jhonatan Rios tomaram conta das escadarias do Veredas com sua “Investigação em Processo” e fechando a noite, Priscilla Bello e, novamente, Jhonatan Rios apresentaram o impactante “Objetos Sólidos”. Utilizando uma lâmpada como objeto cênico, o casal de beleza impar, lida em sua performance, justamente com algo tão insólito e intocável, como a luz. Maravilhosa contradição.

Pensar o Teatro e suas apropriações, é hoje a missão dos atores, dramaturgos, teatrólogos e companhias. E pensar a arte dramática em Uberlândia, onde atualmente vivemos uma trágica situação de demolição do histórico Teatro Grande Othelo é incumbência primordial a quem vive, ama e se arrepia com o poder dos palcos.
Ironia suprema.
Lembremos que se o Festival se chama Ruínas, talvez possa ser esse o destino de mais um espaço cultural da cidade. Se isso acontecer, saberemos que cada um de nós tem sua parcela de culpa ao não se levantar da cadeira e ir de encontro à coxia do debate público. Pois se nosso prometido Teatro Municipal, na Avenida Rondon Pacheco, vive em eternas e infindadas obras, e o Grande Othelo está a mercê do descaso do poder público, celebremos oFestival, estas sim promissoras, Ruínas Circulares. Os escombros da noite de ontem ainda caem, prazerosamente, em minha alma.

Portanto, vá ao Teatro, e me chame!!!
 Luz
foto : Livia Moura

Festival por Revista Bacantes



por Revista Bacante
Começou no dia 30 de abril a 3º edição do Festival Latino Americano de Teatro Ruínas Circulares, emUberlândia/MG.
No sábado o pontapé inicial foi dado com leituras dramáticas de textos de autores latino-americanos, e ontem foi a vez do Lume (Campinas) apresentar sua “Parada de Rua” na Praça Tubal Vilela.
Lume posando pra foto em frente o Cham’s, o ponto turístico do cerrado. foto: Fernando Prado
Onde está o Wally? foto: Fernando Prado
Nessa edição a Bacante foi convidada para a realização de diálogos críticos, que tem como objetivo realizar um acompanhamento crítico das atividades do Festival, especialmente com foco nos espetáculos e nas relações de aproximação e diferenciação entre eles. A proposta é que este acompanhamento percorra o caminho inverso do que comumente ocorre em festivais deste porte, ou seja, parta da recepção e não da concepção. Assim, a ideia destes encontros será a realização de um debate e o desenvolvimentos de parâmetros críticos de interpretação das obras de arte a partir do repertório e da experiência artística vivenciada pelo público do festival, pelos espectadores. Privilegiando a posição e as impressões do espectador, estaremos verticalizando um estudo da recepção que se apresenta como um caminho produtivo para compreendermos melhor tanto o público de teatro, quanto a própria produção artística, tomando por base a maneira como ela se comunica, como ele toca as pessoas.
Confiram a programação no site do festival: www.ruinascirculares.com.br
Abra suas asas, solte suas feras. foto: Fernando Prado

Eldorado

       A personagem de Eldorado nos informa que tenta encontrar a terra mítica que dá nome ao espetáculo. Mentira. O que ele busca é a própria busca. Sabemos que se porventura chegasse onde afirma querer chegar, sua vida acabaria. O tema do espetáculo dirigido por Marcelo Lazzaratto e interpretado por Eduardo Okamoto pode não ser novo. A maneira como se organiza num monólogo, contudo, e as direções para onde sinaliza, valem a apresentação.

       Não importa onde nosso herói esteja, é como se ele voltasse sempre ao mesmo lugar. Como se a busca fosse, ela própria, um lugar. A circularidade está na estrutura e no uso do espaço. Lembra-nos uma das poucas pistas que Samuel Beckett nos deu sobre os enigmas de Esperando Godot, que escrevera a peça em dois atos porque se fosse apenas um, não veríamos que o segundo era igual ao primeiro, se fossem três, o último seria supérfluo, porque igual aos dois anteriores.
       A circularidade está na próprias unidades de movimento e voz com que Okamoto desenvolve a trajetória (ou não-trajetória) de sua personagem. Enquanto finge que nos conta outras histórias e apresenta novas ideias, ele repassa e recombina gestos e sons. Eldorado é daqueles espetáculos que se organizam como caleidoscópios. Se formos prestar atenção, sua performance é organizada a partir de uma diversidade relativamente pequena de elementos, quase como se nos propusesse um pequeno léxico cênico. Seu trabalho é construir frases com esse léxico, combinando as “palavras”.
       É a combinação que é maravilhosa, por uma série de razões. Primeiro, a elegância com que nunca é forçada – o jogo flui como se nem fosse uma construção, ou como se fosse construção tão espontânea que nunca evidencia sua artificialidade. E qualquer um que trabalha com arte sabe quão complexa é qualquer construção que aparenta espontaneidade. Segundo, a expressividade. Aquelas poucas células parecem aptas a expressar praticamente tudo o que intérprete pretende – temos, então, uma linguagem cênica que assemelha-se à fala pela facilidade com que se organiza em sintaxe própria e, ao fazê-lo, acrescenta sentidos ao que cada unidade do léxico proposto pelo espetáculo diz por si mesma.
       Essa proposta, em si, não é novidade. O próprio Ruínas Circulares apresentou obra magnífica construída a partir da mesma lógica, a Antígona, do peruano Yuyachkani. A própria presença destes dois espetáculos (e da parada do Lume, uma das nítidas inspirações de Eduardo Okamoto e Marcelo Lazzaratto em Eldorado) nos mostra a variedade de resultados que essa estratégia de construção pode atingir. Na Antígona, por exemplo, tínhamos uma intenção nitidamente política e narrativa. Eldorado propõe outra direção: um debate intenso sobre a própria condição transitória do ser humano e os mitos que construímos para nós mesmos sobre esta condição – ou para pensar que não estamos determinados por ela.


Marcello Castilho Avellar

Da série “Perguntas que não querem calar”



       Por que diabos as pessoas fazem fila por meia hora pra entrar num teatro se as poltronas já foram marcadas?



Marcello Castilho Avellar




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Da série “Coisas que precisam mudar”




       Tá certo, com a aproximação maior entre os países do continente, já era hora de sermos todos completamente bilingues. Mas enquanto isso não ocorre, não era bom os festivais investirem em estrutura para projetar legendas nos teatros?



      


Marcello Castilho Avellar




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A batalha pelo espaço


       Uns poucos de nós criamos espetáculos nos locais onde serão apresentados. A maioria cria dentro de salas de ensaio dos mais variados tamanhos e formatos, sendo obrigada, então, a pensar o espaço de apresentação como algo abstrato – e a adequar a criação aos espaços concretos quando o espetáculo estiver sendo exibido. A mesma coisa ocorre quanto espetáculos viajam – ou seja, mesmo se foram construídos em seu espaço natural de representação, são retirados dele para alcançar maiores públicos. O resultado desse conflito é que geralmente nossas apresentações cênicas não exploram todo o potencial daquilo que criamos. E festivais como o Ruínas Circulares acabam sendo exemplares neste sentido.
       Se houve um senão na apresentação de Fragmentos de libertad, por exemplo, foi sua concessão ao Teatro Rondon Pacheco. Salta aos olhos que o elenco não queria um palco italiano, o espetáculo praticamente implorava por uma passarela verdadeira, com platéias equivalentes dos dois lados, mesmo que montada provisoriamente em algum espaço alternativo. Calle!, por sua vez, organizou-se numa semiarena, ou “esporão” – palco quase cercado pela plateia, mas com fugas no fundo. Só que, ao contrário do que ocorre num espaço construído para ser uma semiarena, a improvisação do esporão no Rondon Pacheco resultou em má visibilidade para os espectadores que ocupavam as platéias laterais (improvisadas no palco do teatro). E o elenco ainda precisa aprender muito até conseguir resistir à tentação de virar o máximo possível do espetácuo para frente – algo que só é possível numa tradicional relação à italiana.
       Em compensação, há experiências tão adequadas na maneira como articulam o espaço cênico que chegam a provocar a curiosidade em ver como ficariam se submetidas a outras relações. A Antígona do grupo peruano Yuyachkani é bom exemplo disso. A atriz Teresa Ralli domina tão bem o palco que é fácil acreditar que ela dominaria o espaço mesmo em outras dimensões, formatos ou relações. Podemos imaginar, por exemplo, uma apresentação de Antígona em espaço aberto, como uma praça. Perderíamos no visual, claro. Mas como a atriz concentra em seu trabalho até mesmo a atmosfera do espetáculo, é provável que ele sobrevivesse em sua essência. E em compensação à perda, teríamos o estranhamento que a obra, tanto em sua força política quanto na ousadia formal, poderia produzir em pessoas comuns, que usualmente não estão nas platéias dos teatros. Não seria uma troca justa?
       A ironia da história é que Uberlândia costuma dar passos adiante nessa questão do espaço para, logo depois, dar passos atrás. Há anos, um festival de dança aceitou projetos em qualquer espaço e realizou suas principais apresentações em praça pública; na temporada seguinte, retornou a um formato mais convencional, centralizado num ginásio e com apenas uns poucos programas em locais alternativos. O Ruínas Circulares vive essa curiosa contradição: programa espetáculos ousados, como realidade (Fragmentos de libertad) ou uso potencial de outros espaços (Antígona), e os reduz à tradição.

Marcello Castilho Avellar

O CORPO QUE CADA UM É ( visão psicanalitica desta oficina.)

Olá .
O corpo fala ...
 
Fernando Montes o facilitador da oficina ,no primeiro contacto  "hoje vou falar com seus músculos"."então tinha que escutar com o corpo.
Inda mais, tudo que o ator constroi para sua personagem começa na coluna vertebral,seu braço n começa no ombro..começa na coluna.E haja coluna...eu virei pó.
é do pó que nos transformamos( ou viemos)e (novamnete seremos), dai a ressignificação humana proposta por profissionais da ARTE DE PSICANALISAR .
 
Mas Fernado Montes continua "vou falar com seus sentimentos"como seria esta minha escuta??meus sentimentos?como posso expor meus sentimentos?Ah mas ele fala..num jogo de APAREÇA
ESCONDE .muito ludico... o passar o foco, o ser escada ,o receber o foco , na ribalta na cochia, a personagem criada pelo ator sem a criação do diretor revela sua verdade.
.e..(.nada de LÚDICO é real,o sentimento e ator.)dai o pontuar no seting analítco,não dirigindo, nem emitindo juízo de valor.
 
Fernando Montes prossegue, "hoje falerei com suas almas..nada agora é consiente"como assim? entego minha alma? vou abrir meu inconsciente? Ahhhhhhhhhhh haja energia...  
Numa anologia de que a OFICINA  não éra de graça ele cobrou ... e que pagasse, (com suor) a alma do ator.... lembrdo Lacan...
 a análise tem que ser CARA , cara de querida...
....sim esta oficina  realmente froa-me muto   CARA....(de querida claro )

Regina siegler
 

Estrada a percorrer



       Duas razões fazem de Calle!, da Trupe de Truões (Uberlândia, MG) um espetáculo inferior aos outros que já se apresentaram no Ruinas Circulares. Ambas se referem à maturidade – do espetáculo e do grupo. O espetáculo acaba de estrear, ou seja, teve pouco tempo para ser testado e ajustado no único teste realmente válido para uma obra cênica – o contato com o público. O grupo já tem algum tempo de estrada e pelo menos um espetáculo singular, o infantil Simbá, o marujo ¬– mas a simples comparação entre as duas obras nos mostra que a companhia ainda não conseguiu afirmar um caminho, uma técnica, uma estética própria. Falta-lhe aquele salto que transforma um grupo quase anônimo entre muitos numa marca consolidada, com espaço próprio no imaginário e no mercado de teatro.
       Felizmente, o material para este salto pode estar sendo construído pelo grupo. Calle! pode ser espetáculo imperfeito, mas tem momentos que legitimam sua existência. Seu elemento mais forte é a liberdade com que edita as situações que nos propõe. Não se trata apenas de um conjunto de variações em torno de determinado tema, como ocorre na maioria das vezes em que se escolhe um assunto para “desenvolver” no palco. O que nos interessa em Calle! é o jogo, o ir e voltar, o parar pra brincar no meio de tudo. É isso, talvez – que já podia ser sentido em Sinbá – que aponta um caminho, mostra que a Trupe de Truões pode estar prestes a encontrar algo que é só dela.
       É caminho longo. Edição complexa como o jogo que o grupo propõe só faz sentido se muito bem calibrada (daí a necessidade de amadurecer na relação com o público). Calle! ainda não chegou a este ponto. Às vezes fica em dúvida se o espectador captou completamente a brincadeira e insiste nela, em nítido contraste com as passagens em que o jogo parece fluir com liberdade. Propõe humor com gosto amargo, mas fica com um pé atrás quanto a possibilidade disso ser incômodo demais para o espectador. Conta com o elemento mais essencial para conseguir percorrer a estrada: o elenco parece acreditar naquele jogo, gosta dele e transmite este prazer aos espectadores. Não é o suficiente para construir um espetáculo inesquecível; mas é de onde boa parte dos espetáculos inesquecíveis começaram.


Marcello Castilho Avellar

O corpo que cada um é

Nos dias 03, 04 e 05 de maio, aconteceu a oficina “O corpo que cada um é” ministrada pelo ator Fernando Montes e o grupo Varasanta de Bogotá/Colômbia.

A oficina, reuniu atores, bailarinos e até uma psicanalista. Foi cansativa, mas divertida e extremamente proveitosa.

Focando sempre na energia, trabalhando individual e coletivamente com exercícios de corpo, voz e criação conseguiu atingir seu objetivo e extrair o melhor de cada participante, apesar da pequena duração.

Juliana Ladeira

Los niños perdidos

No dia 02 de maio, aconteceu no teatro Rondon Pacheco o segundo espetáculo do Festival Latino Americano de Teatro: Ruínas Circulares, 3ª edição - 2011.

O grupo Micomicon de Madri/Espanha apresentou a peça “Los Niños Perdidos” que encantou a platéia.

Num misto de alegra e tristeza os atores abordaram um tema sombrio que ocorreu recentemente em seu país, Espanha, o desaparecimento e morte de crianças em prisões, trens ou albergues religiosos.

E parece que não foi só o público que saiu satisfeito, o grupo revelou que gostou do Brasil, de Uberlândia e da espontaneidade das pessoas daqui.


Juliana Ladeira

Da série "Pequenas coincidências"



Provavelmente não foi planejada. Mas acaba sendo uma homenagem justa que logo hoje, 5 de maio, Dia Internacional da Língua Portuguesa, a programação do Ruínas Circulares no palco do Teatro Rondon Pacheco apresenta, pela primeira vez, um espetáculo brasileiro.




Marcello Castilho Avellar






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Da série "Frases para não esquecer"



"O Brasil vai ser hexacampeão mundial de futebol em 2014"

(do elenco de Fragmentos de Libertad)





Marcello Castilho Avellar





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A outra história



       Antes mesmo de qualquer significado artístico, um evento como o Ruínas Circulares tem importância política. Ao longo da maior parte de sua história, o Brasil e a América hispânica se viraram mutuamente as costas, como se fossem vizinhos brigados que não se falam, mesmo quando passam um pelo outro todos os dias. Nos últimos anos, tem havido aproximação maior entre os países do subcontinente, mas ela passa mais pela economia e a geopolítica que pela cultura – ou seja, é uma falsa relação em que um se comunica com o outro mas não se ocupa de conhecer o outro. Qualquer relação verdadeira, profunda, passará necessariamente por esse conhecimento, pelo contato com o imaginário do outro. Esse fato dá particular dimensão à apresentação, no festival, de Fragmentos de libertad – 200 años, pelo Avante Teatro, de Bogotá (Colômbia).
       De novo, podemos pensar em Fragmentos de libertad como algo que faz sentido antes mesmo de ser obra de arte. Trata-se de uma daquelas criações que têm, como objeto, a crítica à história oficial. Na Colômbia – como em todos os outros países latino-americanos – a história, ao ser escrita pelas classes dominantes, adquiriu também um conteúdo de afirmação da raça e da religião. É, na essência, uma história dos brancos, dos ricos, dos católicos. Ao conflito de classes juntaram-se pelo menos dois outros, e o discurso histórico, que deveria servir para ajudar as pessoas a compreender suas identidades coletivas, tornou-se ferramenta para ocultá-las e, através destes ocultamentos, reproduzir as estruturas de discriminação. Quem acompanha, no Brasil, a luta dos movimentos negros pelo reconhecimento tanto de direitos quanto de sua importância na construção do país, e a reação, da violência física ao sarcasmo, contra eles, só precisa substituir “negros” por “índios” para compreender um dos principais pontos de tensão na Colômbia contemporânea. Fragmentos de libertad pretende usar a mesma arma do sarcasmo na luta pela construção daquela nova identidade nacional, expondo as contradições daquela narratica pseudo-histórica branca, católica e burguesa.
       No que se refere à arte, Fragmentos de libertad representa agradável surpresa para os que apreciam certo segmento da cena brasileira cujo expoente máximo é o Teatro Oficina, de São Paulo. Sua lógica é a da carnavalização. O espetáculo opera como um sistema de poesia, canto, dança e interpretação, em que nenhum dos elementos se encontra isolado dos outros. A informação contida no sistema aparenta-se ao que é produzido a partir da ideia de antropofagia que marca a arte brasileira desde os modernistas: são fragmentos que, se pensados isoladamente, podem vir de milhares de fontes, mas editados da maneira como estão, parecem definir uma cultura específica – aqueles cortes não poderiam ser feitas por brasileiros, por exemplo.
       O conjunto é divertido, mas deixa sabor amargo na boca: quando nos pegamos rindo da tragédia alheia, ou agindo simbolicamente para agredir a cultura alheia, somos confrontados à agressão e ao descaso de que nós próprios somos vítimas. Neste sentido, Fragmentos de libertad traz consigo a melhor política para a cidadania: expor o absurdo da opressão e da discriminação. E, de quebra, nos lembra quão absurdo – e ridículo – é aquele virar as costas ao outro que marcou a trajetória latino-americana: o espetáculo nos lembra que nossas semelhanças são bem mais fortes que as diferenças. Do modo de contar a história oficial ao modo de demoli-la.

Marcello Castilho Avellar

Nossos mitos contemporâneos

      A apresentação de Antígona no Festival Ruínas Circulares nos lembra o quanto o sentido dos mitos se desloca ao longo da história. Na virada dos séculos 18 e 19, Hegel elogiou a tragédia de Sófocles por sua capacidade de ser dialética, de representar uma contradição entre a lei dos deuses, natural, e a lei da cidade civil, antagônicas mas inseparáveis. Hegel percebia, no texto, um equilíbrio perfeito e, por isso, trágico entre os dois valores. O engraçado da história é que possivelmente os gregos do século 5º a.C. e o próprio Sófocles não viam o mundo assim. Com seu quase desconhecimento da ideia de indivíduo e valorizando bastante a cidade, é provável que o público ateniense desse mais razão ao rei Creonte na sua obsessão em punir, mesmo depois de morto, o príncipe que atacara a cidade natal, que a Antígona, decidida a realizar os ritos fúnebres em homenagem ao irmão morto. Em compensação, no século 20, desde que Bertolt Brecht se apropriou da tragédia de Sófocles para construir sua Antígona ostensivamente política, tendemos a nos identificar mais com a heroína, percebendo-a como símbolo perfeito da luta da liberdade contra a opressão.
       O grupo peruano Yuyachkani nos lembra o quanto na América Latina precisamos deste olhar sobre Antígona. Boa parte de nós cresceu sob ditaduras, e não ditaduras assumidas, mas autoritarismos que se disfarçavam sob ordenamentos jurídicos burocráticos, que até mesmo mantinham parlamentos em funcionamento, como no Brasil – mas não eram menos autoritários por causa disso. Aprendemos a desconfiar da lei civil porque sabemos como pode ser manipulada pelo poder político ou econômico. Desejamos ardentemente uma “lei dos deuses” – da ética, da moral, do bem-estar coletivo, que nos proteja contra o arbítrio do poder. Por mais ideológica que seja a opção do Yuyachkani e de outros grupos que, no continente, se dedicam a reescrever o mito de Antígona, ela não vale pela ideologia, mas pela necessidade: precisamos que as ideias de Antígona, e não as de Creonte, sejam vitoriosas por aqui.
       O Festival Ruínas Circulares vem mostrando outras pequenas migrações de significado que falam bastante de nossas necessidades contemporâneas. São enunciados que, se lidos literalmente, constituem inverdades, mas quando contextualizados, revelam nossas carências. No debate que se seguiu à demonstração de processo do grupo espanhol Micomicón, na terça-feira, por exemplo, alguém na plateia, referindo-se à produção, disse que “aqui no Brasil a gente acha que em outros lugares o teatro é mais valorizado”. Valeria a pergunta “A gente quem, cara pálida?”, porque a pergunta induz alguém a pensar que todos os brasileiros acham isso, ou, pelo menos, que todos os agentes teatrais do país pensam assim. A resposta do intérprete do grupo chegou a “O teatro não pode ser arte de massa” – esquecendo da Broadway, dos teatros renascentistas e barrocos em diversos lugares (inclusive a Espanha), ou, já que o texto começou ali, dos teatros gregos e romanos onde cabiam milhares de pessoas – toda a população de cidadãos e homens livres das cidades a que serviam.
       Estariam nossos participantes do festival mentindo? Não. Apenas sabem onde estão. Sabem que quando se referem a “a gente” ou a “teatro”, não falam de todas as gentes ou de todo o teatro, mas de uma determinada representação de pessoas ou de teatro. A de teatro é fácil compreender – um teatro intencionalmente construído para expandir linguagens e não para se conformar com as existentes, e para promover transformações no mundo, e não para afirmar conservadoramente os valores do mundo. A partir dessa definição, entendemos “a gente”: o conjunto de tribos cênicas interessadas nesse teatro, concentrado, principalmente, em grupos, coletivos, escolas. Alguém pode acusar essas representações de serem redutoras. Mas, como em nossa paixão por Antígona e nosso repúdio a Creonte, é questão de sobrevivência: se alguns de nós não perceberem esse teatro militante como “o” teatro (e seus ativistas como “a gente”), não haveria qualquer diversidade nos palcos. E como a ideia de diversidade está no próprio centro da existência contemporânea, falar de palcos sem diversidade cedo ou tarde significaria falar em vida sem teatro


Marcello Castilho Avellar